Aos 52 anos, divorciado, com cinco filhos, esse colunista, discípulo de Ibrahin Sued, um jornalista por profissão, mas sem formação universitária, é capaz de descrever de forma objetiva, porém um tanto quanto metafórica, uma carreira marcada por furos jornalísticos, processos, CPIs e, como o próprio Boechat admite, muitos erros – um preço que se paga para dar a informação antes da mídia especializada. No entanto, o que mais chama a atenção na entrevista concedida com exclusividade à Revista Selection, desde a saída do estúdio da rádio Paradiso FM – onde Boechat apresenta toda segunda-feira o “Boechat com Torradas”- até a chegada em sua sala na TV Bandeirantes, onde comanda o jornalismo da emissora, é a sinceridade e o despudor pra falar sobre as diversas situações que marcaram esses 34 anos de carreira.
Enfrentando o vestido verde das desculpas estapafúrdias, tratando a informação como um boi recém-saído do abatedouro, comparando a sua dedicação ao trabalho com o estilo limitado do capitão do tetra mundial de futebol, Dunga, ou mesmo analisando a postura com que os jornalistas e a mídia, de uma maneira geral, trataram a questão a cerca da criação do Conselho Nacional de Imprensa, Ricardo Boechat se coloca como um jornalista como qualquer outro companheiro da profissão, admite que, hoje, poderia não ter a oportunidade de ingressar no campo onde já cunhou o seu nome e fala da morte de Ibrahin Sued como o fim de um ciclo na imprensa brasileira, onde os colunistas eram personagens da crônica do Rio de Janeiro, falavam na primeira pessoa e pontuavam os acontecimentos com uma pessoalidade que hoje já não existe e que deu espaço ao que o jornalista define como Coluna de variedades.
Ricardo Boechat iniciou a carreira no extinto Diário de Notícias, no bairro da Lapa, no Rio de Janeiro, aos 17 anos, quando ainda era secundarista- largou os estudos no que hoje equivale ao primeiro ano do segundo grau. A ansiedade por conquistar a independência, e com um mercado menos concorrido, além da sorte, fizeram com que Boechat caísse nas mãos de Ibrahin Sued, o Turco, a quem define como: “a universidade que não cursou, um chefe exigente, idiossincrático, temperamental, passional ao extremo, mas um homem com sensibilidade para a notícia típica dos intuitivos, dos caras que fazem as coisas por vocação”. Da relação com Turco, Boechat também revela que em 14 anos nunca recebera um elogio, mesmo quando merecia e, que as críticas eram uma constante, mesmo sem merecer. Mesmo assim, Boechat, em mais uma de suas metáforas, compara o Turco à Bahia. “ Assim como a Bahia deu régua e compasso à Gilberto Gil, a minha régua e o meu compasso quem deu foi o Turco, porque ele sabia colocar você tenso e atento ao garimpo da informação.” Além disso, ressalta que Ibrahin Sued sabia como ninguém perceber uma falsa informação, demonstrando uma extrema sensibilidade para distinguir uma cascata de um furo jornalístico.
QUANDO A TRAIÇÃO É ÚTIL
É claro que, como todo bom jornalista, Ricardo Boechat não trai suas fontes. No entanto, a traição desses informantes é a máquina que alimenta a fábrica de furos jornalísticos. “ Eu brinco muito nas palestras dizendo: Qual é a melhor fonte do mundo? É a que quer trair. Quem seria o melhor informante do mundo, na Alemanha, na Segunda Guerra Mundial? Certamente alguém que teve acesso a uma informação que o próprio Hittler deu e que resolve contar isso. Pra quem ele vai contar? Certamente, para alguém que não tenha a mesma atitude que ele, ou seja, que não vai traí-lo”, explica Ricardo Boechat. Até por isso, o colunista revela que não vale à pena estar em Brasília almoçando um dia com um ministro, no outro com o presidente. “ O envolvimento geralmente atrapalha. É o caminho mais curto para você deixar de ter notícias que interessam. Você deixa de ter a notícia da conspiração, da contra-mão. A notícia que de fato instiga o leitor. Além disso, imagina você ter algo sobre uma pessoa com quem você almoçou ontem, ou jogou tênis. Vai gerar um constrangimento. Então, a minha atividade é algo que empurra pro isolamento.” Boechat não trai as fontes, mas se alguém do seu ciclo de relacionamento estiver no centro de alguma notícia, ele admite que isso não será empecilho para que ele divulgue a informação. “ Um acadêmico, com quem eu tenho uma excelente relação pessoal, me deu a notícia de que o Hélio Jaguaribe vai ser candidato à sucessão do Celso Franco, mas me disse: Boechat não dá não. Espera passar o luto. Eu dei. Jornalista não tem que observar luto. Ele vai me ligar chateado, mas o que posso fazer?”, exemplificou.
Citando Hélio Gaspari como o mais talentoso e importante jornalista brasileiro da atualidade, Boechat explica que o colunista tem que ponderar e analisar bem uma posição a ser tomada quando uma de suas fontes acaba aparecendo como personagem de alguma notícia. “Você deve ponderar se as circunstâncias dizem respeito ao supremo conhecimento público ou se é algo de interesse pessoal. Você quer que essa fonte amanhã te atenda outra vez. Você acha que ela pode render notícia melhor no futuro? Você colheu notícias importantes com ela no passado? Como você vai trabalhar com uma notícia que detone essa fonte? São questões que vão ser consideradas a cada momento. Não existe uma regra exata. O jornalismo não é uma ciência matemática.”
Hoje, embora atuando no jornalismo da Tv Bandeirantes e ancorando o “Boechat com Torradas” na Rádio Paradiso FM, Boechat ainda se considera um homem de mídia impressa e vai além, se apresenta como um homem de coluna de jornal. Coluna essa que foi responsável por uma grande polêmica, quando resolveu trocar O Globo pelo Jornal do Brasil. A repercussão foi digna de um tetra campeão mundial quando muda de clube.Apesar de ressaltar que só trabalha para pagar as contas, Boechat olha para trás e, diante de inúmeros furos que tiveram repercussão nacional, novamente de forma metafórica, faz uma analogia: “Meu trabalho é como o de um açougueiro, vendo um produto que foi tirado, colhido há poucas horas, e que precisa ser consumido antes que se deteriore. Tanto como a carne pendurada no gancho, a notícia perde a sua função, perde sua capacidade de sedução a medida em que os minutos passam. Dificilmente você vai lembrar de um bife que marcou a sua vida. Alguns perduraram. As denúncias de fraude envolvendo concorrências do exército em um período em que era tabu apontar o dedo para as Forças Armadas ou qualquer órgão do governo, por exemplo. Uma semana depois a Veja deu capa à matéria.Essa foi uma notícia que teve uma vida mais longa. Qual a importância dessa notícia hoje? Não tem tanta. Por isso, quando me perguntam qual a maior bomba, eu respondo que é a que vou dar amanhã”.
Um aparente furo jornalístico pode virar uma gafe ou uma acusação infundada se não for bem apurado ou se a fonte não for de confiança. Nesses mais de trinta anos de carreira, Boechat admite que já errou inúmeras vezes e assumiu esses erros sem titubear. Em mais de três décadas de profissão, centenas de processos já foram movidos contra o colunista, mas apenas em um, que Boechat considerou correta a atitude da justiça, o mérito foi desfavorável ao jornalista. No entanto, entre erros, notícias divergentes que acabam chegando, uma terceira face merece uma outra metáfora de Boechat.
“ É muito comum ocorrer o que eu chamo da tese do vestido verde. Você dá a seguinte notícia: Um bandido foi preso há 15 minutos na porta de um colégio em Copacabana, em flagrante, após estuprar uma aluna. A menina deu entrada no hospital com várias escoriações e em estado de choque. No momento da internação, o seu vestido verde exibia manchas de sangue. O bandido, estuprador, flagrado, entra na justiça porque o vestido era vermelho.Acontece muito isso. Você denúncia a sacanagem e o cara entra na justiça pra dizer que a cor do vestido não era verde.” Segundo Boechat, a grande defesa da sociedade são os tribunais. No entanto, quando o tema é a criação do Conselho Nacional de Jornalismo, Boechat é enfático ao ressaltar que a imprensa é muito “delicadinha” e que o caso teve uma repercussão maior do que deveria. Para ele, a criação de um órgão desse tipo só iria gerar um corporativismo maior entre os jornalistas. E desdenha com uma última analogia.” A criação desse órgão é tão factível quanto um zepelim de 400 km.”
Enfrentando o vestido verde das desculpas estapafúrdias, tratando a informação como um boi recém-saído do abatedouro, comparando a sua dedicação ao trabalho com o estilo limitado do capitão do tetra mundial de futebol, Dunga, ou mesmo analisando a postura com que os jornalistas e a mídia, de uma maneira geral, trataram a questão a cerca da criação do Conselho Nacional de Imprensa, Ricardo Boechat se coloca como um jornalista como qualquer outro companheiro da profissão, admite que, hoje, poderia não ter a oportunidade de ingressar no campo onde já cunhou o seu nome e fala da morte de Ibrahin Sued como o fim de um ciclo na imprensa brasileira, onde os colunistas eram personagens da crônica do Rio de Janeiro, falavam na primeira pessoa e pontuavam os acontecimentos com uma pessoalidade que hoje já não existe e que deu espaço ao que o jornalista define como Coluna de variedades.
Ricardo Boechat iniciou a carreira no extinto Diário de Notícias, no bairro da Lapa, no Rio de Janeiro, aos 17 anos, quando ainda era secundarista- largou os estudos no que hoje equivale ao primeiro ano do segundo grau. A ansiedade por conquistar a independência, e com um mercado menos concorrido, além da sorte, fizeram com que Boechat caísse nas mãos de Ibrahin Sued, o Turco, a quem define como: “a universidade que não cursou, um chefe exigente, idiossincrático, temperamental, passional ao extremo, mas um homem com sensibilidade para a notícia típica dos intuitivos, dos caras que fazem as coisas por vocação”. Da relação com Turco, Boechat também revela que em 14 anos nunca recebera um elogio, mesmo quando merecia e, que as críticas eram uma constante, mesmo sem merecer. Mesmo assim, Boechat, em mais uma de suas metáforas, compara o Turco à Bahia. “ Assim como a Bahia deu régua e compasso à Gilberto Gil, a minha régua e o meu compasso quem deu foi o Turco, porque ele sabia colocar você tenso e atento ao garimpo da informação.” Além disso, ressalta que Ibrahin Sued sabia como ninguém perceber uma falsa informação, demonstrando uma extrema sensibilidade para distinguir uma cascata de um furo jornalístico.
QUANDO A TRAIÇÃO É ÚTIL
É claro que, como todo bom jornalista, Ricardo Boechat não trai suas fontes. No entanto, a traição desses informantes é a máquina que alimenta a fábrica de furos jornalísticos. “ Eu brinco muito nas palestras dizendo: Qual é a melhor fonte do mundo? É a que quer trair. Quem seria o melhor informante do mundo, na Alemanha, na Segunda Guerra Mundial? Certamente alguém que teve acesso a uma informação que o próprio Hittler deu e que resolve contar isso. Pra quem ele vai contar? Certamente, para alguém que não tenha a mesma atitude que ele, ou seja, que não vai traí-lo”, explica Ricardo Boechat. Até por isso, o colunista revela que não vale à pena estar em Brasília almoçando um dia com um ministro, no outro com o presidente. “ O envolvimento geralmente atrapalha. É o caminho mais curto para você deixar de ter notícias que interessam. Você deixa de ter a notícia da conspiração, da contra-mão. A notícia que de fato instiga o leitor. Além disso, imagina você ter algo sobre uma pessoa com quem você almoçou ontem, ou jogou tênis. Vai gerar um constrangimento. Então, a minha atividade é algo que empurra pro isolamento.” Boechat não trai as fontes, mas se alguém do seu ciclo de relacionamento estiver no centro de alguma notícia, ele admite que isso não será empecilho para que ele divulgue a informação. “ Um acadêmico, com quem eu tenho uma excelente relação pessoal, me deu a notícia de que o Hélio Jaguaribe vai ser candidato à sucessão do Celso Franco, mas me disse: Boechat não dá não. Espera passar o luto. Eu dei. Jornalista não tem que observar luto. Ele vai me ligar chateado, mas o que posso fazer?”, exemplificou.
Citando Hélio Gaspari como o mais talentoso e importante jornalista brasileiro da atualidade, Boechat explica que o colunista tem que ponderar e analisar bem uma posição a ser tomada quando uma de suas fontes acaba aparecendo como personagem de alguma notícia. “Você deve ponderar se as circunstâncias dizem respeito ao supremo conhecimento público ou se é algo de interesse pessoal. Você quer que essa fonte amanhã te atenda outra vez. Você acha que ela pode render notícia melhor no futuro? Você colheu notícias importantes com ela no passado? Como você vai trabalhar com uma notícia que detone essa fonte? São questões que vão ser consideradas a cada momento. Não existe uma regra exata. O jornalismo não é uma ciência matemática.”
Hoje, embora atuando no jornalismo da Tv Bandeirantes e ancorando o “Boechat com Torradas” na Rádio Paradiso FM, Boechat ainda se considera um homem de mídia impressa e vai além, se apresenta como um homem de coluna de jornal. Coluna essa que foi responsável por uma grande polêmica, quando resolveu trocar O Globo pelo Jornal do Brasil. A repercussão foi digna de um tetra campeão mundial quando muda de clube.Apesar de ressaltar que só trabalha para pagar as contas, Boechat olha para trás e, diante de inúmeros furos que tiveram repercussão nacional, novamente de forma metafórica, faz uma analogia: “Meu trabalho é como o de um açougueiro, vendo um produto que foi tirado, colhido há poucas horas, e que precisa ser consumido antes que se deteriore. Tanto como a carne pendurada no gancho, a notícia perde a sua função, perde sua capacidade de sedução a medida em que os minutos passam. Dificilmente você vai lembrar de um bife que marcou a sua vida. Alguns perduraram. As denúncias de fraude envolvendo concorrências do exército em um período em que era tabu apontar o dedo para as Forças Armadas ou qualquer órgão do governo, por exemplo. Uma semana depois a Veja deu capa à matéria.Essa foi uma notícia que teve uma vida mais longa. Qual a importância dessa notícia hoje? Não tem tanta. Por isso, quando me perguntam qual a maior bomba, eu respondo que é a que vou dar amanhã”.
Um aparente furo jornalístico pode virar uma gafe ou uma acusação infundada se não for bem apurado ou se a fonte não for de confiança. Nesses mais de trinta anos de carreira, Boechat admite que já errou inúmeras vezes e assumiu esses erros sem titubear. Em mais de três décadas de profissão, centenas de processos já foram movidos contra o colunista, mas apenas em um, que Boechat considerou correta a atitude da justiça, o mérito foi desfavorável ao jornalista. No entanto, entre erros, notícias divergentes que acabam chegando, uma terceira face merece uma outra metáfora de Boechat.
“ É muito comum ocorrer o que eu chamo da tese do vestido verde. Você dá a seguinte notícia: Um bandido foi preso há 15 minutos na porta de um colégio em Copacabana, em flagrante, após estuprar uma aluna. A menina deu entrada no hospital com várias escoriações e em estado de choque. No momento da internação, o seu vestido verde exibia manchas de sangue. O bandido, estuprador, flagrado, entra na justiça porque o vestido era vermelho.Acontece muito isso. Você denúncia a sacanagem e o cara entra na justiça pra dizer que a cor do vestido não era verde.” Segundo Boechat, a grande defesa da sociedade são os tribunais. No entanto, quando o tema é a criação do Conselho Nacional de Jornalismo, Boechat é enfático ao ressaltar que a imprensa é muito “delicadinha” e que o caso teve uma repercussão maior do que deveria. Para ele, a criação de um órgão desse tipo só iria gerar um corporativismo maior entre os jornalistas. E desdenha com uma última analogia.” A criação desse órgão é tão factível quanto um zepelim de 400 km.”
2 comentários:
Ricardo Boechat é sensacional. Parabéns pelo artigo!
Ricardo Boechat e incomparável. O melhor jornalista que já existiu. O país precisa de pessoas como você.
Parabéns!
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